28 de mar. de 2011

ELE VENCEU NUMA ÉPOCA SEM COTAS

O físico nuclear Nozimar do Couto passou muita dificuldade na Baixada Fluminense até chegar a ser um alto cientista da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

POR
CARLOS NOBRE

Início dos anos 1980, Nilópolis, Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. O adolescente Nozimar do Couto sai de casa para pegar o trem com embrulhos nas mãos. Eram roupas lavadas e passadas que ele ia levar nos bairros chiques aos clientes de sua mãe. Este rito ele cumpriu durante alguns anos enquanto esperava encontrar um emprego melhor.

Agosto de 2010. Lagoa, zona sul, Rio de Janeiro. O físico rastafari Nozimar de Couto, conhecido como Nozi, doutor em reatores nucleares pela Coppe (Comissão de Pós Graduação em Pesquisa de Engenharia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)) , olha pela janela os seguranças da rua onde mora num apartamento de três quartos com a mulher e o filho de dois anos.

Sem esquecer dos tempos das vacas magras da Baixada, ele, hoje, se tornou um alto funcionário da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), o organismo estatal que fiscaliza a aplicação da energia nuclear em setores púbicos e privados em todo o país.

Muita gente, ao vê-lo como uma refinada autoridade do sistema nuclear, acaba indagando: como esse cara, que tivera uma biografia previsível, dera este salto impressionante em sua vida, possibilitando se tornar num cidadão de prestigio na sociedade onde vive ?

Ele acha que este salto ocorreu quando concluiu o antigo Segundo Grau. Ali, percebeu a importância que a educação tem para transformar a vida de um negro pobre sem perspectiva em cidadão respeitável.

Tanto é assim que quando foi aprovado no vestibular para Física, na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), disse, em casa, que ficaria mais difícil ajudar financeiramente os familiares, pois, iria se dedicar de corpo-e- alma ao curso durante o dia. Via no curso uma grande possibilidade mudar seu destino.

Afinal, ele gostava muito de cálculo, dessas contas ultracomplicadas, envolvendo formulas cheia de números e letras gregas. Alem disso, iria estudar durante o dia, pois, à noite, inexistia curso de Física.

“Não gosto de ser tratado como uma exceção. Todos, em minha opinião, principalmente negros, podem chegar onde agora eu estou. Desde que obtenham oportunidades para tal”, analisa Nozi.

Hoje, aos 45 anos, Nozi fez o mestrado em física nuclear e o doutorado em reatores nucleares, na Coppe/UFRJ. Após ser graduar, em Física, em 1991, passou em concurso público para Eletronuclear, depois trabalhou em Furnas e agora -também após concurso público - está na CNEN.

“ O CNEN é organismo responsável pela política nuclear dos pais. Ele fiscaliza os pais inteiro no uso da energia atômica. Eu faço também fiscalização de radioterapia nuclear em todos hospitais públicos e privados. Em congressos, já apresentei vários estudos sobre o uso da energia nuclear e sobre o uso de reatores”, disse o cientista.

Entre 15 a 17 anos, trabalhou num escritório de contabilidade, mas estudava à noite. Após concluir o curso médio, não entrou logo na faculdade. Ficou trabalhando para ajudar a família. “Só ingressei na faculdade aos 21 anos, num curso de Engenharia da Universidade Veiga de Almeida. Mas o curso era caro e fiquei só seis meses neste nele”, lembra o cientista.

Um colega daquele curso, mineiro, propôs que ele e Nozi fizessem novo vestibular para Física, pois, o curso era uma área próxima de engenharia. Ele havia estudado Eletrotécnica antes do curso de Física, pois, gostava muito da área de ciências exatas. Isto porque sempre fora bom em cálculos.

No vestibular para Física, conta, passou para UFF (Universidade Federal Fluminense) e UERJ ( Universidade do Estado Rio de Janeiro) simultaneamente. Podia estudar em uma ou noutra. Mas preferiu a UERJ por causa da facilidade de chegar na universidade de trem, vindo de Nilópolis.

Se optasse pela UFF, por exemplo, gastaria muito dinheiro com transporte para se deslocar da Baixada até Niterói. Ele não estava mais disposto a fazer estes sacrifícios tão dolorosos aos pobres. A estratégia era clara. Como ele detalha: “De Nilópolis, vindo de trem, eu saltava direto dentro da UERJ, pagando apenas uma passagem pelo transporte, enquanto iria pagar mais para chegar na UFF se optasse por esta universidade”, lembra.

Na época em que ingressou na UERJ, em 1986, aos 24 anos, bem tarde, como ele mesmo observa, trabalhou como modelo para um comercial de cerveja, onde ganhou uma graninha que o auxiliou nas despesas dos estudos. Durante o curso, dava aulas particulares de física e matemática. E, bela solução, conseguiu uma monotoria no curso que ampliava seus rendimentos.

Ao optar em estudar na UERJ, Nozi também atraiu problemas. Em primeiro lugar, não havia o curso de Física noturno, ele teria que estudar de dia, e assim, não poderia trabalhar para ajudar em casa. Era uma situação delicadíssima já que ele vinha se constituindo como arrimo da casa.

“ Eu disse, em casa, que não poderia ajudar mais a família (cinco irmãos e dois primos) porque iria estudar de dia. Mas a minha sorte é que consegui ser demitido da empresa onde trabalhava. Assim, eu guardei todo o dinheiro da rescissão contratual (férias, 13º. Salário, FGTS etc ) para emergências”, lembra o físico nuclear.

Mesmo assim, ele recorda que sua mãe topou que estudasse sem trabalhar, pois, explica, ela vislumbrou que ele, mais à frente, poderia mudar seu destino. Neste sentido, sua mãe passou a lavar mais roupa para ajudar o filho na faculdade. Ele acabou se tornando o único dos irmãos com curso superior.

Na Rua Conselheiro Macedo Soares, na Lagoa, onde mora, hoje, com a mulher Beatriz, administradora de empresas, e o filho Téo, de quatro anos, Nozi diz ter boas relações com vizinhos. Ele não vê racismo ou discriminação contra ele no cotidiano de sua vida no condomínio de luxo. “ Até porque somos poucos, somos sete famílias que moram neste prédio e nos entendemos muito bem”, alega o cientista.

No trabalho, conta, faz de tudo para ter bom conceito vindo dos empregados subalternos. Isto porque, acredita, faz questão de manter afastada sua postura de “ doutor”. Assim, explica, os subalternos o veem como uma pessoa muito legal e sem empáfia. “ Eu mesmo facilito minha relação com eles. Eu não esqueço minhas origens, sou filho de uma lavadeira”, finaliza Nozi.

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