28 de mar. de 2011

IMIGRANTES SUBSTITUÍRAM A MÃO-DE-OBRA NEGRA NO BRASIL

O advogado Schuch defende reparação para a comunidade negra e quer o fim do racismo no Brasil.

O ex- vice da OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil), Lauro Schuch, defende a política de reparação para a comunidade negra brasileira a fim de compensar o processo de marginalização histórica que os afrodescendentes brasileiros sofreram nos últimos 350 anos. Segundo Schuch, o artigo 3º, da Constituição, sustenta que a sociedade brasileira deve caminhar para a igualdade entre seus cidadãos.

De acordo com Schuch, a política de reparação não é um discurso vazio, mas deve ser sustentada na prática, detalha ele. Ele foi candidato derrotado a presidente da OAB nas eleições. Mas por causa de sua campanha que prometia criar a Comissão de Discriminação Racial, a nova gestão da OAB acabou incorporando sua proposta.

“ Sem dúvida nenhuma, há uma dívida histórica com a raça negra no Brasil, pois, quando vieram para cá, estavam numa condição já preestabelecida. Negar essa realidade é negar a história. A constituição federal, inspirada na construção de um estado fundado no princípio fundamental da dignidade humana, estabeleceu como macro direito à erradicação da pobreza, da marginalidade e a redução das desigualdades”, diz Schuch.

Em relação à lei estadual no. 5356, que estabelece cotas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro para índios, negros e pobres, Schuch disse que houve um desvio de finalidade quando na lei puseram artigos que garantiam também acesso ao ensino superior de filhos de policiais, bombeiros e agentes penitenciários mortos no trabalho. Segundo ele, os servidores públicos não se enquadravam no espírito compromisso do artigo 3º, da constituição federal. Por isso, explicou, a lei pode se tornar inconstitucional.

Segundo o advogado, a elite brasileira recusa-se a acreditar que o racismo exista no Brasil. Em vista disso, acha injustificável a política de cotas para negros vem sendo adotadas em mais de 80 universidades públicas(estaduais e federais) em todo o Brasil como reparação pela situação de desvantagem histórica pelas quais os negros foram submetidos em nossa sociedade.

Em sua opinião, os movimentos negros têm razão quando se queixam que, após a abolição, o negro foi jogado nas ruas, sem nenhuma política de amparo.

“ Realmente, a mão- de-obra negra foi substituída pelos imigrantes que chegaram ao Brasil”, destacou o ex- vice da OAB, que quer a aplicação imediata das ações afirmativas para os negros. São ações reparativas variadas para acesso de determinado grupo étnico ou classe social ao trabalho, a educação e ao emprego. Ela foi praticada com sucesso em muitos países, mas a referência principal foi sua instalação, nos anos 1960, nos Estados Unidos.

Veja os principais trechos de sua entrevista para nosso jornal:

QUESTÕES NEGRAS – O senhor é favorável à política de cotas para afrodescendentes no Brasil ?

LAURO SCHUCH – Sem dúvida nenhuma, há uma dívida histórica com a raça negra no Brasil, pois, quando vieram para cá, estavam numa condição já preestabelecida. Negar essa realidade é negar a história. A Constituição federal, inspirada na construção de um estado fundado no princípio fundamental da dignidade humana, estabeleceu como macro direito à erradicação da pobreza, da marginalidade e a redução das desigualdades.

QN- O que está implícito na compensação, nesta política?
LS- Este conceito/compromisso de promover a igualdade só se concretiza mediante ações concretas, afirmativas que garantam aos discriminados historicamente acesso a espaços que sempre foram negados aos negros.

QN – Como a constituição pode fundamentar sua tese?
LS- A Constituição de 1988 dá acesso ao ensino superior mediante critérios de aptidão e conhecimento. Mas não significa a desconsideração daquele princípio fundamental quanto ao acesso por ações afirmativas. Nesta política, há que se conjugar os dois dispositivos constitucionais na perspectiva segundo àqueles princípios que são fundamentais se sobrepões aos demais. Esta interpretação dá sustentação constitucional ao sistema de cotas para acesso às universidades a todos aqueles que sofreram restrições de raça. Assim, nesta perspectiva, não há como negar a constitucionalidade do regime de cotas para acesso ao ensino superior para aqueles que como os afrodescendentes sofreram exclusão.

QN- Como o senhor analisa o discurso dos anticotistas?
LS - O discurso dos que se opõem a esta forma de garantia sob o argumento de que existem representantes da raça negra que ascenderam, e que, portanto, se utilizaram das mesmas oportunidades conferidas a todas as pessoas, revela desconhecimento da própria sociedade, pois, tais hipóteses, constituem, na verdade, exceção ao que ocorre na prática.

QN- O senhor pode dar um exemplo desta sua argumentação ?
LS – Por exemplo, nos tribunais, nas representações parlamentares, chefias de executivos em todos os níveis, na direção de empresas públicas e privadas, os cargos de maior destaque são sempre ocupados por brancos. Isto por si só evidencia que a igualdade é uma mentira e o preconceito uma verdade escondida.

QN- Existem também projetos de leis no congresso que querem beneficiar índios em vagas nas universidades públicas. Como o senhor vê esta posição cotista?
LS – No que diz respeito aos índios, também não vejo dívida social em relação a eles para que seja incluídos numa sistema de cotas de acesso ao ensino superior. O processo de aculturação é a própria extinção do índio, quer dizer, ele sendo incorporado a uma sociedade antagônica ao seu modelo existencial de vida. A inserção do índio nos padrões culturais ocidentais significa a sua própria extinção. É diferente do negro que já está ambientado ao padrão ocidental em nossa sociedade. A exclusão do índio de nossa sociedade não ocorre pelo preconceito. Ao índio, deve ser lhes dadas condições de manter sua cultura, demarcação de suas terras, impedindo agressões a este modelo de vida, evitando que estilo de viver dele seja desfigurado. Agora, se um índio quiser estudar numa universidade, é perfeitamente normal e deve ser lhe dado garantias neste aspecto.

QN- Como as cotas devem aplicadas ?
LS- Elas devem ser direcionadas para a sociedade de uma forma em geral, levar em conta a história dos grupos que serão beneficiados. Por exemplo, numa favela, vamos encontrar, com certeza, entre os moradores, 80% de negros. Quer dizer, são pessoas da etnia negra. Quando se diz que não segregação, isso vem de um vício de um processo de colonização. O negro não veio para colonizar, mas para ser objeto de colonização. Aqui, como em outras nações, o negro apenas foi um escravo, um trabalhador sem direitos, enquanto os imigrantes obtinham favores como terras, crédito, informações e facilidades para desenvolver-se como trabalhadores na terra que adotaram.

QN – Em geral, os militantes do movimento negro alegam que a abolição não trouxe nenhum beneficio para a comunidade negra . O senhor concorda?
LS – Abolida a escravidão, em 1988, efetivamente, não houve nenhuma preocupação com a inserção social, com a igualdade. O inconsciente coletivo brasileiro ainda destina os negros aos grilhões da escravidão.

QN- Por causa da escravidão, é necessário reparar os negros?
LS – Defendo formas de resgatar toda essa dívida que o povo brasileiro tem em relação à raça negra.

QN – Porque as elites reagem quando se trata de reparar a comunidade negra?
LS – Se nega, em nossa sociedade, que exista o racismo. No Brasil, o racismo é dissimulado, velado. Eu acho que a gente iria resolver bem as coisas se a gente assumisse que a sociedade brasileira é racista. Veja você, por exemplo, este caso: uma jovem branca começa a namorar um rapaz negro cheio de qualidades profissionais, intelectuais. Ela leva ele para seus pais o conhecerem. Estes, no entanto, não vão olhar para suas qualificações como pessoa e profissional, mas para sua condição de negro.

QN- Em geral, o Judiciário não se sensibiliza com a questão racial...
LS – O Judiciário é um reflexo da sociedade brasileira e expressão do poder do estado. Em minha opinião, existem juízes que têm consciência social, juridicamente mais afinados, que são sensíveis a estas questões. E existem outros menos sensíveis, digamos assim. Mas o que percebo é que tem tido avanços significativos nessas discussões na direção de afirmação do valor jurídico da igualdade como bem intangível do estado social e democrático de direito. A igualdade não pode ser para poucos, pois, assim, desequilibra o sistema social. A igualdade deve se constituir em atos afirmativos de igualdade. Precisamos ter essas ações afirmativas para conquistar a igualdade.

QN- Como ex-dirigente da OAB, você encontrou, entre seus pares, alguma tendência ao racismo?
LS – Para falar a verdade, encontrei resistências para não visibilizar a cor negra. Olha, o racismo brasileiro é muito sútil, não é facilmente explicável... O racismo, em geral, quando quer tirar um negro de determinada posição, ele questiona sua capacitação, sugerindo que outra pessoa indicada teria mais condições de exercer determinados cargos. Aqui, na OAB, quando fui dirigente, eu indiquei o advogado negro Mário Milton Leopoldo para o conselheiro e para presidir a importante comissão "OAB vai à escola". Trata-se de um advogado muito competente. Sempre o indico ele para me representar em solenidades. Na entrega de carteiras de novos advogados, eu indico ele para ser o entregador oficial. Em geral, as pessoas têm relação mais direta com a entidade, a instituição. E quando vêm um negro presidindo uma comissão é um valor simbólico muito importante que está sendo passado.

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