28 de mar. de 2011

A maçonaria entra na luta pela liberdade do escravo ?

Coube a José Bonifácio a produção do primeiro manifesto de peso contra a escravidão quando ele assumiu a direção da maior entidade maçônica brasileira.

POR CARLOS NOBRE

Depois de violentas lutas internas, José Bonifácio de Andrada e Silva, que, na história oficial passou a figurar nos livros didáticos de História do Brasil como o “Patriarca da Independência”, assumiu em 17 de junho de 1823, a liderança máxima ( Grão-Mestre) do Grande Oriente do Brasil (GOB), uma espécie de entidade federativa de comando de todas as lojas maçônicas espalhadas por todos os estados do Brasil.

Filho de rica família paulistana e, na época, um cientista respeitado na Europa pelos seus altos conhecimentos de mineralogia e geologia, José Bonifácio, ainda jovem, foi estudar em Lisboa. Ele passara quase 30 anos na Europa, tornando-se, na verdade, num “civilizado de alto nível” em relação aos “caboclos” da terra onde nascera. Estes “caboclos” mal sabiam da existência de “civilizações superiores” do outro do atlântico.

Bonifácio, naquele momento, como líder da nascente maçonaria brasileira, produziu um documento que influenciou, dali por diante, os ideólogos do abolicionismo até em 1888, quando decretado o fim do trabalho escravo, depois mais de 70 anos de debates sobre o fim da escravidão no país. dois meses depois de Bonifácio ter assumido o comando do Grande Oriente do Brasil.

O documento, neste sentido, era um projeto de lei impondo o fim do tráfico de escravos no país. Seu projeto libertador iria ser apresentado à Assembléia Geral Constituinte Legislativa do Império do Brasil. No entanto, a Assembléia foi dissolvida pelo imperador Dom Pedro I, em 12 de novembro de 1823, dois meses depois de Bonifácio ter assumido o comando do Grande Oriente do Brasil.
Na época, junto com outros deputados, José Bonifácio foi preso e deportado. A ordem de deportação partira de outro próprio, D. Pedro I, também maçom. No entanto, o gesto autoritário de Dom Pedro I não conseguiu impedir que o documento vazasse para fora do país. Uma cópia desta representação ficara com um amigo de confiança de Bonifácio. O “Patriarca da Independência” permitiu assim que documento circulasse entre os grupos contrários ao autoritarismo de D. Pedro I no Brasil e no exterior.

O projeto de lei, então, foi publicado pela primeira vez, em Paris, em 1825, e nele, José Bonifácio mostrara a necessidade de o estado imperial abolir o tráfico negreiro, de melhorar a vida dos escravos e promover sua gradual emancipação.

Este documento é fundamental para se entender aquela sociedade baseada apenas no trabalho escravo – e que fazia todos os esforços para que a escravidão se perpetuasse eternamente.

Vamos, neste sentido, fazer algumas análises de alguns trechos pinçados deste importante documento, de autoria do então líder máximo desta instituição, que, naquela época, se tornara crucial para a transição do colonialismo para a modernidade na vida brasileira.

Além disso, José Bonifácio era o homem de estreitas ligações com as elites portuguesa e brasileira. Por isto, sabia exatamente o que se passava na alma e coração destas elites.

Escreve José Bonifácio:

Mas como poderá uma Constituição liberal e duradoura em um país continuamente habitado por uma multidão imensa de escravos brutais e inimigos ? Comecemos pois esta grande obra pela expiação de nossos crimes e pecados velhos. Sim, não se trata somente de sermos justos, devemos ser também penitentes: devemos mostrar a face de Deus e dos outros homens que nos arrependemos, e tudo o que nesta parte temos obrado há séculos contra a justiça e contra a religião, que nos bradam acordes que não façamos aos outros o que queremos que não nos façam a nós. É preciso pois que cessem de uma vez os roubos, incêndios e guerras que fomentamos entre os selvagens da África. É preciso que não venham mais a nossos portos milhares e milhares de negros, que morriam abafados no porão de nossos navios, mais apinhados que fardos e fazenda: é preciso que cessem de uma vez todas essas mortes e martírios sem conta, com que flagelávamos ainda esses desgraçados em nosso próprio território. É tempo, pois, e mais que tempo, que acabemos com um tráfico tão bárbaro e carniceiro; é tempo também que vamos acabando gradualmente até os últimos vestígios da escravidão entre nós, para que venhamos a formar em poucas gerações uma Nação homogênea, sem o que nunca seremos verdadeiramente livres, respeitáveis e felizes”.

Esta é uma passagem muito elucidativa para nossos objetivos analíticos. Em primeiro lugar, Bonifácio, uma das mais altas inteligências da elite brasileira do século XIX, questiona a instituição de uma Constituição num país de escravos. Uma Constituição que fala dos direitos de homens livres e esquecia completamente a população escrava. Na visão de Bonifácio, esta Constituição é fraudulenta, pois, não reflete as aspirações e interesses da maioria da população.

Todavia, para Bonifácio, está é uma questão estrutural da colônia que se libertava recentemente ( estamos, pelo documento, em 1823) do jugo português: o que fazer com aquela escravaria, que eram homens, e que, portanto, também tinham direitos ? Mas que direitos ? Somente o serem escravos ?

Ao que parece, Bonifácio, um “europeu em terras selvagens”, não comungava com aquelas ideologias vindas da elite brasileira, ou seja, ele achava um horror a escravidão num país que se pretendia liberal naquele momento.

Na verdade, ele, sem querer, talvez começasse ali a discussão do processo abolicionista por via da influência maçônica, ou seja, a instituição maçônica, através de seu grande líder, com aquele projeto de lei, incorporava o pensamento moderno. Neste modelo, não fazia sentido o Brasil continuar a ser uma sociedade escravocrata, quando o ideal liberal varria a Europa.

Se este pensamento fosse somente de Bonifácio, mesmo assim, o fato ganha dimensão devido ao cargo que ele ocupava naquele momento na maçonaria brasileira. Ele não era um simples maçom abolicionista e utópico, mas o líder da maçonaria brasileira, isto é, o chefe de todos os maçons, propondo uma discussão sobre a liberdade dos escravos, fazendo ilações muito percucientes daquele momento histórico, ou seja, pedindo que elite cortasse na própria carne.

Podemos dizer através deste projeto de Bonifácio, que a maçonaria brasileira tomou uma posição clara em relação ao escravismo brasileiro ?

Acreditamos que ele, Bonifacio, como Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil Bonifácio, até representasse os interesses dos todos os maçons naquele momento. No entanto, pensamos que ele produziu aquela representação como se fosse uma liderança política individual, sem se referir explicitamente a sua condição de Grão-Mestre, sem que a instituição estivesse tomando uma posição como um todo.

Em outras palavras: ele não pôs a maçonaria como instituição produtora daquele documento, embora tivesse status e poder para tal. Seu apelo tanto podia atingir maçons como os não maçons do parlamento. Na verdade, ele inaugurou uma tendência que duraria até 1888: maçons e lojas, individualmente, se posicionando contra a escravidão e propondo a libertação completa dos escravos.

Mais à frente, vamos ver que a luta contra a abolição feita por algumas lojas maçônicas espalhadas pelo Brasil se configurou também como uma luta interna contra os próprios maçons. Isto porque, durante o processo de criação ordem maçônica no Brasil, os primeiros maçons contraditoriamente eram também donos de escravos. Só mais à frente, a classe média urbana, sem posse de grande escravaria, já em fins do século XIX, se torna majoritária nos quadros maçônicos e imprime dentro da instituição modelos de comportamento em busca de modernização da sociedade brasileira, até por via autoritária.

Neste documento ao qual estamos ora analisando, Bonifácio faz mais ilações: pede fim urgente do tráfico de escravos, para ele, uma instituição bárbara. Faz uma descrição deste processo e expõe as ilações para a construção de uma futura nação democrática.

Ele não tem dúvida que a sociedade brasileira está cometendo um crime contra a humanidade através do sistema escravista montado pelos colonizadores e que continua operado pelos brasileiros até com a cumplicidade dos africanos.
Os colonizadores que ele conhecia bem, pois, além de estudar em Lisboa, Bonifácio também foi beneficiado pelos portugueses por ser uma inteligência excepcional, com altos cargos em Lisboa.

Neste momento, também Bonifácio – como um dos destacados intelectuais do país naquele momento - imprime a principal ideologia liberal brasileira em relação à questão escrava. Ou seja: a libertação dos escravos, escreve ele, deve ser feita de modo gradual para não prejudicar o sistema econômico, que é os pés e mãos dos senhores de engenho e das futuras plantações de café do Vale do Paraíba.

Vamos conferir:
Torno a dizer porém que eu não desejo ver abolida de repente a escravidão; tal acontecimento traria consigo grandes males. Para emancipar escravos sem prejuízo da sociedade, cumpre primeiramente fazê-los dignos da liberdade; cumpre que sejamos forçados pela razão e pela lei a convertê-los gradualmente de vis escravos em homens livres e ativos. Então os moradores deste Império, de cruéis que são em grande parte neste ponto, se tornarão cristãos e justos e ganharão muito pelo andar do tempo, pondo em livre circulação cabedais mortos, que absolve o uso da escravatura: livrando as suas famílias de exemplos domésticos de corrupção e tirania; de inimigos seus e do estado; que hoje não têm pátria, e que podem vir a ser nossos irmãos, e nossos compatriotas”.

Daí, então, que, ao longo da luta abolicionista, de 1823 em diante, com a representação de Bonifácio, assistimos a instituição persistente de leis gradualistas pelo parlamento. Tais como: Lei dos Sexagenários, Lei do Ventre Livre, Lei proibindo a venda de escravos em praças públicas, Lei de alforria para escravos de bom comportamento. São leis que não encaram de frente à libertação escrava, mas tenta adiá-la ao máximo, e interessante, todas propostas por maçons.

Lembremos a respeito que, em 1888, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, naquele momento, restava muito poucos escravos formais no Brasil. Existiam mais ou menos 10% de escravos. Isto porque a maioria conquistara a liberdade graças à libertação voluntária deles feita pelos seus senhores; pela compra da própria alforria pelo escravo ou porque os escravos estavam libertos em quilombos espalhados pelo Brasil. O país, agora liberto de Portugal, tornara-se, então, a última nação das Américas a libertar os escravos, vindo atrás de Cuba, que libertou-os em 1884.

Este fato, mais adiante, produzirá repercussões profundas na economia, nas relações sociais entre os grupos étnicos brasileiros e nas formas de distribuição de poder entre as classes sociais, implicando, desde já, na prévia condição de vulnerabilidade do negro nas disputas de poder na sociedade brasileira.

Mas o líder da nascente maçonaria brasileira continua seu discurso implacável contra a sociedade do atraso.

Escreve ele:

Se os negros são homens como nós, e não formam uma espécie de brutos animais; se sentem e pensam como nós, que quadro de dor e de miséria não apresentam eles à imaginação de qualquer homem sensível e cristão ? Se os gemidos de um bruto nos condoem, é impossível que deixemos se sentir também certa dor simpática com as desgraças e misérias dos escravos; mas tal é o efeito do costume e a voz da cobiça que vêem homens correr lágrimas de outros homens, sem que estas lhes espremam dos olhos uma só gota de compaixão e ternura. Mas a cobiça não sente nem discorre como a razão e a humanidade. Para lavar-se pois das acusações que merecia lançou sempre mão e ainda agora lança de mil motivos capciosos, com que pretende fazer a sua apologia; diz que é um ato de caridade trazer escravos da África, porque assim escapam esses desgraçados de serem vítimas de despóticos Régulos; diz igualmente que, se não viessem esses escravos, ficariam privados da luz do Evangelho, que todo cristão deve promover e espalhar; diz que esses infelizes mudam de um clima e país ardente e horrível para outro doce, fértil e ameno; diz por fim, que devendo os criminosos e prisioneiros de guerra serem mortos imediatamente pelos seus bárbaros costumes é um favor que se lhes faz, conservara vida, ainda que seja em cativeiro”.


Em primeiro lugar, neste trecho, o primeiro Grão-Mestre da Maçonaria brasileira investe contra a idéia formada segundo a qual o escravo é uma coisa, um objeto, uma máquina, a serviço dos escravocratas. Mostra, assim, que há um terrível engano das elites escravistas que aderem a este modelo econômico baseada na mão-de-obra escrava.

Sim, o escravo é um homem igual a outros, só que reduzido a uma condição brutal de dominação. Neste caso, não é um igual, em função da condição política deste momento. Muitos historiadores já se referiram a este aspecto, ou seja, da “coisificação” do escravo na sociedade brasileira, mostrando, por conseguinte, suas conseqüências funestas.

Mesmo hoje, esta ideologia ainda perpassa a mente de muitos integrantes dos grupos dominantes. Basta analisar, neste sentido, alguns ditados populares segundo os quais o negro ainda é visto como uma etnia inferior. “ Parece gente”, esta é uma expressão usada para designar os descendentes de escravos que estão se comportando simbolicamente como os brancos “civilizados”.

Ou seja: a identidade étnica só é reconhecida (negativamente ainda) quando o afrodescendente usa símbolos utilizados pela elite branca. Esse modelo de reclassificação negra é recorrente em diversas regiões do país, embora, venha, aos poucos sendo aposentado em função das transformações políticas de direitos ensejadas pelos movimentos sociais negros.

Bonifácio lista ainda os argumentos favoráveis à prática do tráfico manuseados pelos traficantes de escravos para impor uma prática desumana, ou seja, para os escravocratas o sistema baseado na mão-de-obra africana se justificava porque a ação dos traficantes brasileiros/internacionais era, na verdade: 1. um ato de caridade 2. servia para iluminar os cativos com a luz do evangelho; 3. trazê-los para um país de clima doce e agradável era um grande benefício 4. era também uma forma de livrá-los da morte por serem os negros, em geral, prisioneiros de guerra.

Estes argumentos são hostilizados veementemente por Bonifácio na apresentação de seu projeto de lei. Mais do que isso, ele pergunta por que continuam a ser escravos os filhos dos africanos. Ou seja, ele detecta uma ilegalidade gritante nos fétidos negócios da escravidão brasileira, pois, os traficantes não compraram os futuros filhos dos escravos, pois estes nem ainda tinham nascidos. Mas quando nasceram, já estavam sob grilhões.

Veja como Bonifácio argumenta em relação a este fato:

E porque continuaram e continuam a ser escravos os filhos desses africanos? Cometeram eles crimes ? Foram apanhados em guerra ? Mudaram de clima mau para outro melhor ? Saíram das trevas do paganismo para a luz do Evangelho ?”

Importante destacar, neste contexto, é a análise que ele faz da sociedade brasileira daquele momento, mostrando uma coragem poucas vezes vistas em homens originados nas elites brasileiras. Além disso, parecia de certo modo um “estranho” naquela sociedade por ter construído uma brilhante vida profissional em países do velho continente por mais de 30 anos.

Escreve ele:

A nossa Religião é pela mor parte um sistema de superstições e de abusos anti-sociais; o nosso Clero, em muita parte ignorante e corrompido, é o primeiro que se serve de escravos, e os acumula para enriquecer pelo comércio, e pela agricultura, e para firmar, muitas vezes, das desgraçadas escravas um Harém turco. As famílias não têm educação, nem a podem ter com o tráfico de escravos, nada as pode habituar a conhecer e amar a Virtude e a religião. Riquezas e mais riquezas gritam os nossos pseudos-estadistas, os nossos compradores e vendedores de carne humana; os nossos sabujos Eclesiásticos; os nossos Magistrados, se é que se pode dar um tão honroso título a almas, pela mor parte, venais, que só empunham a vara da justiça, para oprimir desgraçados, que não podem satisfazer à sua cobiça, ou melhorar a sua sorte”.
E mais, na sua visão implacável do poder colonial brasileiro:

(...) O luxo e a corrupção nasceram entre nós antes da civilização e da indústria; e qual será a causa principal de um fenômeno tão espantoso ? A escravidão, Senhores, a escravidão, porque o homem que conta com os jornais de seus escravos, vive na indolência, e a indolência traz todos os vícios após si”.

Este painel devastador das elites dirigentes do século XIX foi escrito há 185 anos, mas sua atualidade ultrapassa suas propostas, em virtude destas constatações terem até se cristalizado no país. Se formos contrapor estas declarações com a situação das elites de hoje, que coincidências poderíamos obter ?

Nestas apreciações, Bonifácio aponta ainda para a necessidade da modernização econômica do Brasil, pois, na visão dele, na época, a escravidão era uma armadilha de atraso do Brasil frente às demais potências. Segundo ele, “ nenhum país necessita de braços estranhos e forçados para ser rico e cultivado”.

Bonifácio analisa impiedosamente contradições do sistema escravocrata brasileiro mostrando que em muitos países da época - com igual potência ao Brasil – a economia se desenvolveu sem precisar utilizar braços escravos, somente com o trabalho livre dos cidadãos.

Para ele, a escravidão é um absurdo, uma falta de senso, a ignorância total das elites agrárias, pois, o Brasil que ele vê, na época, tem condições, pelo clima e pela riqueza da terra, se tornar uma potência como nação, sem recorrer ao instituto da escravidão, uma fábrica de moer gente e cuja lógica de exploração comercial era a mais degradante e antiquada possível.

Vejamos, neste sentido, algumas análises que ele faz do sistema escravista brasileiro daquele momento:

(...) a introdução de novos Africanos não aumenta a nossa população, e só serve de obstar a nossa indústria. Para provar a primeira tese bastará ver com atenção o censo de cinco ou seis anos passados, e ver-se-á que apesar de entrarem no Brasil, como já disse, perto de quarenta mil escravos anualmente, o aumento desta classe é ou nulo, ou de mui pouco monta: quase tudo morre ou de miséria, ou de desesperação, e todavia custaram imensos cabedais, que se perderam para sempre, e que nem sequer pagaram o juro do dinheiro empregado”.

Eis, aqui, uma informação terrível, isto é, o sistema colonial era realmente uma máquina de moer gente africana sem que os argumentos de sustentação para tal barbárie tivesse contrapontos como asseverava sempre o saudoso antropólogo Darcy Ribeiro. Ou seja, este sistema economicamente era nulo, pois mantinha os seus dirigentes no atraso industrial, pois, estes, mal percebiam a lógica de funcionamento do sistema colonial mantido por Portugal. Esta é uma das teses de Florestan Fernandes no livro “ A revolução burguesa no Brasil”, onde ele mostrou o grau elevado de atraso de nossas elites dirigentes Mais do que isso: devido à ignorância do próprio senhor de engenho, não havia proteção e cuidado com suas “máquinas” ( os escravos), ou seja, com seus meios de produção. Em alguns estados norte-americanos, alguns historiadores constataram que o escravo era bem cuidado, pois, era o meio de produção do sistema escravista.

Em vista disso, como dissera o próprio Bonifácio, o investimento agrícola era nulo no Brasil, pois, o operador-proprietário desse sistema desconhecia de que forma podia ampliar a produtividade de suas engrenagens.

Vejamos, por conseguinte, outras conclusões de Bonifácio em relação ao sistema que operava no Brasil desde dos primeiros anos do século XVI:

Para provar a segunda tese que a escravatura deve obstar a nossa indústria, basta lembrar que os senhores, que possuem escravos, vivem, em grandíssima parte, na inércia, pois não se vêem precisados pela fome ou pobreza a aperfeiçoar sua indústria, ou melhorar sua lavoura”.

Mais ainda:

Causa raiva, ou riso, ver vinte escravos ocupados em transportar vinte sacos de açúcar, que podiam conduzir uma ou duas carretas bem construídas com dois bois ou duas bestas muares”.

Ou de outra forma:

A lavoura do Brasil, feita por escravos boçais e preguiçosos, não dá lucros, com que homens ignorantes e fanáticos se iludem. Se calculamos o custo de aquisição do terreno, os capitais empregados nos escravos que devem cultivar, o valor dos instrumentos rurais com que devem trabalhar cada um destes escravos, sustento e vestuário, moléstias reais e afetadas, e seu curativo, as mortes numerosas, filhas de mau tratamento e da desesperação, as Repetidas fugidas aos matos, e quilombos, claro que o lucro da lavoura deve ser muito pequeno no Brasil, ainda apesar da prodigiosa fertilidade”.

Mais uma vez, o sistema escravocrata brasileiro é esmurrado sem piedade pelo líder da Maçonaria brasileira. Dessa vez, ele mostra que o sistema colonial deixava o produtor apenas defronte para o muro, que o impede de ver às novas formas produtivas, que podem dar um novo embasamento ao trabalho e a produção. E que as soluções tecnológicas apresentadas pelo escravismo para melhorar e ampliar o sistema de exploração da terra eram ridículas, e que este sistema desconhecia por completo saber aproveitar a fertilidade da terra brasileira. Aliás, naquele momento, Bonifácio já condenava as queimadas, a exploração desenfreada dos recursos naturais e a incapacidade do empreendedor brasileiro de se aproximar do ecossistema de forma criativa e respeitosa.

Não contente, Bonifácio imprime mais constatações que mexem profundamente na forma econômica que a nação optou para se destacar no cenário político-econômico. Ou seja, com seus conhecimentos europeus, Bonifácio mostrou a fragilidade do sistema escravagista e de seu operador numa conjuntura onde os países europeus ingressavam no capitalismo e nós continuávamos insistindo na mão-de-obra escrava.

Ele acrescenta:

Um senhor de terras é de fato pobríssimo, se pela sua ignorância ou desmazelo são sabe tirar proveito da fertilidade de sua terra, e dos braços que nela emprega”.

Se os senhores de terras não tivessem uma multidão demasiada de escravos, eles mesmos aproveitariam terras já abertas e livres de matos, que hoje jazem abandonadas como maninhas. Nossas matas preciosas em madeiras de construção civil e náutica não seriam destruídas pelo machado assassino do negro, e pelas chamas devastadoras da ignorância”.

(...) Mas dirão talvez que se favorecerdes a liberdade dos escravos será atacar a propriedade. O vós iludais, Senhores, a propriedade foi sancionada para bem de todos, e qual é o bem que tira o escravo de perder todos os seus direitos naturais, e se tornar de pessoa a cousa na frase dos Jurisconsultos ?”

Acabe-se pois de uma vez o infame tráfico da escravatura Africana; mas com isto não está tudo feito: é também preciso cuidar seriamente em melhorar a sorte dos escravos existentes, e tais cuidados são já um passo dado para a sua futura emancipação”.

Enfim, a maçonaria brasileira nasceu polemizando sobre a construção de uma nação democrática, e pretendendo incorporar o elemento africano como integrante da sociedade brasileira, apesar das derrapadas conceituais sobre o comportamento e papel do escravo nesta sociedade. Nada como um grande tema para fazer a discussão se tornar pública durante mais de 60 anos até a instituição da Lei Áurea em 1888, isto é, há 120 anos atrás.

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