28 de mar. de 2011

O RIO DE JANEIRO DE MACHADO DE ASSIS

Machado de Assis, o maior escritor brasileiro de todos os tempos, amou sua cidade como poucos, e os nos deixou páginas maravilhosas do Rio do século XIX.

O Rio de Janeiro não é uma cidade maravilhosa porque assim o trading turístico quer, para faturar mais, como o local onde , em primeiro lugar, os turistas estrangeiros põem o pé no Brasil.

Não é bem assim.

Na verdade, alguns cariocas têm identificação profunda pela cidade onde nasceram e não abrem mão de fazer persistentes declarações de amor ao Rio de Janeiro.

Um destes apaixonados mais emblemáticos pelo Rio de Janeiro é o maior escritor brasileiro, o velho Machado de Assis. Sempre que podia, em seus romances e crônicas, Machado fazia questão de mostrar os cenários do urbano carioca (ruas, becos, vielas, morros, palacetes, mar, praças etc).

De uma forma apaixonante, diga-se de passagem.


Machado, um afrodescendente, que nasceu no antigo morro do Livramento, na Saúde, atrás da Central do Brasil, era filho de uma lavadeira portuguesa e de um pintor afro de paredes. Sabia como nenhum outro explorar a geografia do Centro da cidade, onde nascera.

Ele foi coroinha da igreja Nossa Senhora da Lampadosa, no Centro, na Avenida Passos, durante a infância pobre e sem perspectiva de ascensão.

Autodidata, se tornou jornalista, cronista e escritor de renome internacional. Ele é o escritor mais estudado do Brasil pelos críticos brasileiros e estrangeiros.

Sua obra inclui trabalhos nas seguintes áreas: poesia, prefácios, jornalismo, teatro, tradução, crítica, crônicas, conto e romance.

Por conseguinte, um dos seus traços marcantes é a glorificação da cidade onde nasceu através de personagens e crônicas, onde o Rio de Janeiro, sua geografia, sua população e suas construções se destacam como expressões da arte de observação machadiana.

Ele, no entanto, além da glorificação, foi um crítico ácido das autoridades públicas, pois, o Rio de sua época, apresentou grandes problemas sanitários e sociais que deixavam o grande escritor indignado em seus escritos.

Neste sentido, Machado de Assis pode ser considerado um escritor travestido de geógrafo-historiador da cidade do Rio de Janeiro, pela qual ele tinha paixão avassaladora.
Segundo diversos estudiosos da obra machadiana, o Rio de Janeiro em que Machado de Assis viveu dificilmente poderia ser considerado "a cidade maravilhosa" que se transformaria no mais conhecido cartão postal do país, a partir dos anos 1940.
A paisagem natural imponente do Rio de Machado servia de cenário para inúmeras mazelas sociais, incluindo graves problemas de saúde pública e planejamento urbano.
Em boa parte da maior metrópole brasileira da época, as ruas eram estreitas, as vielas sujas, e a iluminação, rede de esgotos e abastecimento de água eram inexistentes ou precários.

As casas de tijolo e alvenaria eram escassas, e uma parcela significativa da população era obrigada a procurar moradia em cortiços e favelas, enquanto um segmento reduzido vivia em elegantes palacetes nas ruas de Botafogo e Laranjeiras.
Entre os dois extremos - cortiços e palacetes - uma classe média emergente expandia a cidade para os subúrbios construindo novos modelos de moradia.
Esta nova classe social era formada por pequenos assalariados, funcionários públicos, negociantes bem-sucedidos, médicos e integrantes das milícias nas últimas décadas do século XIX.

Naquela época, metade do século XIX em diante, os transportes urbanos praticamente não existiam, e os que existiam eram de tração animal - charretes ou carroças puxadas por um ou dois cavalos, quando não por braços humanos.
Foi somente a partir de 1892 que alguns bondinhos, chamados "elétricos" começam a circular na cidade, ligando o Flamengo e o Largo da Carioca.
Mesmo assim, podemos sentir, na obra machadiana, uma pulsação fantástica de uma identidade carioca, através de personagens e cenários particulares. Ou seja, percebemos, como Machado tenta, a todo o tempo, incluir a cidade e seus cenários específicos na relação orgânica de seus personagens com o Rio de Janeiro.
Há, efetivamente, um amor declarado do escritor afro com sua cidade e seus personagens.
Em “Dom Casmurro”, um dos personagens de Machado diz que um dia irá escrever a “ História dos Subúrbios” do Rio de Janeiro, o que, porém, não aconteceu na vida real do escritor.
Mas, em compensação, além da crítica às mazelas de seu tempo, o escritor compôs a história das principais ruas, dos bairros próximos do Centro, os palácios e os grandes problemas de saúde pública como a febre amarela, as enchentes, o lixo e falta de saneamento.
Em Esaú e Jacó, por exemplo, Machado parece se deter no processo de evolução urbana do Rio de Janeiro, quando focaliza o Morro do Castelo – demolido porque no local, que, seria urbanizado para abrigar um evento internacional nos primeiros anos do século XX.
No livro, o escritor mostra que o morro era residência de pessoas modestas, sempre sobressaltadas com a ameaça de demolição de suas casas. Ele parecia, assim, se lembrar de sua infância pobre no morro do Livramento, onde nascera.
Novamente, no romance Esaú e Jacó, Machado mostrou o personagem Santos fascinado pelos palacetes da época, principalmente o Palácio Nova Friburgo, hoje conhecido como Palácio do Catete, que já foi sede do governo federal, e entrou para a história como o local onde o ex-presidente Getúlio Vargas se suicidou, dando um tiro no coração, em 1954.
Ruas antigas e seus atuais nomes
Embora Machado relembre sempre os nomes novos que as ruas antigas obtiveram, em algumas passagens de suas obras, no entanto, alguns não conseguiram identificar o nome da rua que o personagem está circulando. Em vista disso, é possível identificar os nomes atuais destas ruas machadianas:
  • LOTOEIROS – hoje Gonçalves Dias.
  • VALA – hoje Uruguaiana.
  • LARGO DO ROCIO – hoje Praça Tiradentes.
  • MATACAVALOS – hoje Rua Riachuelo.
  • LARGO DA MÃE DO BISPO – hoje Rua Marechal Floriano.
  • CANO – hoje Rua Sete de Setembro.
  • PIOLHO – hoje Rua da Carioca.
  • OURIVES – hoje Rua Miguel Couto.
  • DIREITA – Av. Primeiro de Março.


O ROTEIRO CARIOCA DE MACHADO
1. A cidade dentro do personagem
Mas tudo cansa, até a solidão. Aires entrou a sentir uma ponta de aborrecimento: bocejava, cochilava, tinha sede de gente viva, estranha, qualquer que fosse, alegre ou triste. Metia-se por bairros estranhos, trepava aos morros, ia as igrejas velhas, as ruas novas, a Copacabana e a Tijuca. O mar ali, aqui o mato e a vista acordavam nele uma infinidade de ecos, que pareciam as próprias vozes antigas. (Memorial de Aires)
2. Saúde, Gamboa e Santo Cristo
(..) passou o Saco do Alferes, passou a Gamboa, parou diante do cemitério dos ingleses, com seus velhos sepulcros trepados pelo morro, e afinal chegou à Saúde. Viu ruas esguias, outras em ladeira, casas apinhadas ao longe e no alto dos morros, becos, muita casa antiga, algumas do reis comidas, estripadas, o cais encardido e a vida lá dentro. E tudo isso lhe dava uma sensação de nostalgia. ( A caminhada do personagem Rubião pela antiga zona portuária, Quincas Borba)

3. Rua do Ouvidor
Gente parada em frente ou sentada dentro das lojas, gente que descia, que subia, homens, senhoras, de vez em quando uma vitória ou tilburi, tudo isso dava à principal rua do Rio de Janeiro um aspecto animado e luzido. Viam-se aqui e ali alguns deputados trocando notícias políticas ou conquistando senhoras que passavam...Também ali estava uma grande parte da áurea juventude – le jeunesse do dia ou encarecendo a beleza da moda. Estranharia aquela designação quem reparasse que entre os rapazes havia também algumas suíças grisalhas e outras totalmente brancas.
(...) A Gazeta do Rio de Janeiro.
(...) o lugar mais seguro para saber notícias.
( Quincas Borba)
4. Rua Gonçalves Dias
Algumas vezes íamos jantar a um restaurante da rua dos Latoeiros, hoje Gonçalves Dias, nome este que se lhe deu por indicação furtamente do Diário do Rio: o poeta morara ali outrora, e foi Múzio, seu amigo, que pela nossa folha o pediu à Câmara Municipal”. ( Páginas Recolhidas)


5. Rua da Alfândega
(...) é minha última vontade que o caixão em que meu corpo houve de ser enterrado, seja fabricado em casa de Joaquim Soares, a rua da Alfândega. ( Papéis avulsos)
6. Lapa
Fui chegando aos Arcos, entrei na rua Matacavalos (hoje Riachuelo). A casa não era logo ali, mas muito além da dos Inválidos, perto do Senado.( Dom Casmurro)
7. Largo de São Francisco de Paula
No largo de São Francisco estava um carro dela, perto da igreja. Íamos a Rua do Ouvidor, a dez passos de distância ou pouco mais. Parei na esquina, via-a caminhar, parar, falar ao cocheiro, entrar no carro que partia logo pela travessa, naturalmente para os lados de Botafogo. ( Memorial de Aires )
8. Desordem urbana
As ruas do Rio de Janeiro andam imundas.
Que cidade do Rio de Janeiro imunda!
Quem tem culpa de estares as ruas imundas? A Câmara Municipal é acusada de deixar que as ruas continuem como estão.
A falta de asseio das ruas é danosa para a salubridade pública.
As ruas alagam a cidade porque as valas estão sempre entupidas.
A lama nas ruas do Rio de Janeiro daria até para secar pelos raios do sol”
( Crônicas)
9. Palácio do Catete
(...) levantou os olhos para ele com o desejo de costume, uma cobiça de possuí-lo, sem prever os altos destinos que o palácio viria a ter na República: mas quem então previa nada ? Quem prevê coisa nenhuma? Para Santos a questão era só possuí-lo; dar ali grandes festas, celebradas nas gazetas, narradas na cidade entre amigos e inimigos, cheias de admiração, de rancor ou de inveja .
A casa descobria-se a distância, magnífica; Santos deleitou-se de a ver, mirou-se nela, cresceu com ela. A estatueta de Narciso, no meio do jardim sorria à entrada deles, a areia se fez relva, duas andorinhas cruzaram por cima do repuxo, figurando no ar a alegria de ambos.( Esaú e Jacó)
10. Point na Praça Tiradentes
Quereis saber do último acontecimento ? Era ir a Sociedade Petalógica. Da nova italiana? Do novo livro publicado? Do último baile? Da última peça de Macedo de Alencar ? Do estado da praça (Tiradentes) ? Dos boatos de qualquer espécie? Não precisava ir mais longe, era ir à Petalógica. ( Crônicas)


11. Largo da Carioca
Chegaram ao largo da Carioca, apearam-se e despediram-se; ele entrou pela Rua Gonçalves Dias, ele virou pela rua da Carioca, ( Memorial de Aires)

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